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Trabalho Escravo: uma análise sobre o tema em face da substituição da Portaria 1.129/2017


Quais outras normas municipais e estaduais legislam sobre o tema? Que punições as empresas podem receber? Abordaremos estas questões ao longo deste artigo.

O combate ao trabalho escravo é uma obrigação de qualquer sociedade civilizada, e se relaciona, de modo direto, com o Direito a Liberdade presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948. Dito isso, qual a forma mais razoável de se promover esse combate? Que instrumentos o poder público pode utilizar para coibir a prática de regimes análogos a escravidão, sem que haja, por exemplo, a deturpação de uma questão tão grave ou a punição indevida de empresas graças a interpretações do Código Penal?

Este tema, que parece tão distante da nossa realidade, mas ainda tão delicado e que levanta discussões acirradas tanto na sociedade civil quanto no universo do direito trabalhista, voltou à tona diante da promulgação pelo Presidente Michel Temer, em 13 de outubro deste ano, da Portaria MTB Nº 1129, que trata sobre trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à escravidão.

Após suscitar uma série de debates, receber críticas da sociedade civil e de organizações de representação do trabalho, inclusive do órgão máximo no que tange à área trabalhista mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Portaria chegou a ser suspensa pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal e foi, por fim, substituída pela Portaria MTB Nº 1.293, de 28 dezembro de 2017, representando um verdadeiro “voltar atrás” do Ministério do Trabalho, uma vez que, o novo texto derruba, justamente, alguns dos pontos mais polêmicos da Portaria MTB Nº 1129.

Comentaremos alguns destes pontos ao longo deste artigo e, com o intuito de ampliar o debate sobre regimes análogos a escravidão, trazemos para o artigo, duas normas municipais (Rio de Janeiro e São Paulo) que tratam de outras sanções a empresas por trabalho escravo, além daquelas administradas pelo Ministério do Trabalho. Por fim, encerramos com uma análise de punição a M.Officer baseada em na legislação estadual do Estado de São Paulo.

As mudanças entre as Portarias

Dentre os pontos basais que foram alvos de críticas e sofreram mudanças dentre a Portaria MTB Nº 1129 e a nova Portaria MTB Nº 1.293, merecem destaque duas questões.

A primeira delas diz respeito ao fato de que, para que empresas autuadas por manterem trabalhadores em regimes análogos ao da escravidão sejam divulgadas nas chamadas “listas sujas”, seria necessária a autorização do Ministro do Trabalho.

No novo diploma, a portaria MTB Nº 1293, consagrando o direito ao contraditório e ampla defesa, a empresa independente de convalidação do Ministro do Trabalho, após ter sido condenada administrativamente em decisão irrecorrível reconhecendo a ocorrência da submissão de trabalhadores em condições análogas à de escravo, deverá ser inscrita no Cadastro de Empregadores com regime análogos a escravidão.

Tal mudança, traz, ao que parece, pontos positivos e negativos. A exigência de mais etapas no processo de autuação de empresas (presentes na MTB Nº 1129), poderia contribuir para que companhias que não cometeram ilegalidades, não tivessem sua reputação e imagem marcados por denúncias de escravidão improcedentes – que, no fim, chegam até a 90% dos processos segundo o Ministério Público do Trabalho. Por outro lado, este andamento com maiores exigências poderia tornar moroso e político o processo de condenação de uma empresa culpada.

Outra questão importante, e talvez a principal, diz respeito a própria definição de trabalho escravo. Se antes, só seriam enquadradas como empresas que praticam a escravidão, companhias que privassem, propriamente, os empregados de seus direitos de ir e vir, seja sob ameaça de punição, segurança armada ou em virtude de dívidas adquiridas com o empregador, agora, com a nova Portaria MTB Nº 1.293, segue-se o conceito moderno de que não é necessária a coerção direta para identificação de trabalho em condições análogas ao escravo, tornando a possibilidade de reconhecimento mais ampla, visão esta, aliás, compartilhada pela Ministra Rosa Weber, que diz:

"[...] ao restringir indevidamente o conceito de “redução à condição análoga a escravo”, vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 489 Distrito Federal. Relator: WEBER, Rosa.)

Com a mudança, a definição de jornada exaustiva e degradante ficou definida da seguinte forma:

“[...] toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados à segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social."

Se, por um lado, é mais abrangente e sensível as necessidades de ambiente contemporâneo de trabalho, por outro lado, a norma pode não resolver um importante impasse, que envolve casos, por exemplo, de empresas que já foram denunciadas por questões como a proximidade de camas em um alojamento ou a presença de fios desencapados no local de trabalho. Tais companhias, a nosso ver, podem, certamente, serem denunciadas por irregularidades trabalhistas, mas, não necessariamente por praticar regime análogo a escravidão em seus espaços.

O necessário agora, é verificarmos como será a aplicabilidade real da nova Portaria MTB Nº 1.293, e contar com uma fiscalização de processos que não permitam a propagação de regimes degradantes contra a dignidade humana.

Seguindo no tema, vale a pena olharmos um pouco, para o plano de leis municipais e estaduais sobre a questão da escravidão.

Leis municipais tratando de regimes análogos ao da escravidão

No plano das leis municipais, convém citarmos brevemente os casos do Rio de Janeiro e de São Paulo.

No caso da capital fluminense, temos a lei Nº 6000 de 21/10/2015, a qual, dentre as punições estabelecidas para empresas que exploram o trabalho escravo, análogo ao escravo ou infantil temos, por exemplo, a cassação do alvará de funcionamento do negócio.

Por sua vez, em São Paulo, através da Lei 16606 de 29/12/2016, temos as seguintes punições para empresas que “direta ou indiretamente, sejam responsabilizados pelas condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga de escravo”:

- Multa que pode variar de R$100 mil a R$ 100 milhões de reais a depender do grau de punição;

- Cassação da licença de funcionamento em caso de não pagamento das multas estabelecidas ou reincidência.

Punições a empresas: o caso M.Officer

Antes de concluirmos, vale a pena analisarmos o caso da punição a M5 Indústria e Comércio, dona da marca M.Officer, baseada na Lei nº 14.946, de 28/01/2013, que determina a “cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS, de qualquer empresa que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo ou em condições análogas.”

Embora seja uma indústria na qual já foram noticiadas uma série de possíveis casos de trabalho análogo a escravidão, a punição a tais empresas é de caráter um tanto complexo, sobretudo pelo uso de subterfúgios como a não costura de etiquetas que comprovem a vinculação de oficinas ilegais as marcas ou a dificuldade na localização de ordens de serviço, conforme relatado em coluna de novembro de Pedro Muniz para a Folha de S. Paulo.

Neste sentido, a punição a M.Officer, condenada em 1ª instância e com denúncia mantida pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, pode ser exemplar para o setor no Estado de São Paulo.

Segundo a condenação, a empresa terá que pagar R$ 6 milhões em multas (R$ 4 milhões por danos morais coletivos e R$ 2 milhões por dumping social – aproveitamento de custos baixos de produção mediante precarização do trabalho e concorrência desleal) e pode ficar fora do mercado paulista por até 10 anos.

A denúncia, que fora movida por Procuradores do Trabalho após investigação, abrange também sócios da empresa, que ficam impedidos de requerer nova inscrição no ICMS durante o período a ser estabelecido em decisão colegiada, segundo o Ministério Público do Trabalho.

Conclusão

Como o processo da M.Officer está aguardando a decisão em embargos declaratórios, é preciso aguardar quais serão os próximos passos no julgamento da denúncia.

De todo modo, a investigação demonstra que, para além de ser uma prática que fere a constituição brasileira, a punição para a imposição de regimes análogos a escravidão – seja em âmbitos municipais, estaduais ou federais – é severa e, quando comprovada, inviabiliza negócios para empresas que escolheram um caminho tão contrário a qualquer noção de liberdade e de dignidade no trabalho.

Que fique claro que a amplitude da terminologia ao termo escravidão e situações análogas pode resultar na sua aplicação na mesma medida. Os administradores e executivos precisam entender que pode ocorrer com qualquer um, recusando a visão de que somente ocorre com empreiteiras, fazendeiros, etc. Pode ocorrer com qualquer um. Os executivos não podem deixar de revisar seus procedimentos e, realmente conhecer o “chão de fábrica”, inclusive dos seus fornecedores diretos e indiretos, para se certificar de que, pelo menos, tentou revisar a cadeia produtiva.

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