Assédio sexual no ambiente trabalho: coibindo práticas de violência nas empresas
Por Dhyego Pontes (publicado no LInkedin)
No último dia 04 de dezembro, a Revista Piauí divulgou uma vasta e detalhada reportagem, que ouviu 43 entrevistados, sobre casos graves de assédio sexual e moral envolvendo Marcius Melhem e uma série de vítimas do então diretor e roteirista de programas de humor da Rede Globo, incluindo a atriz e roteirista, Daniella Giusti (Dani Calabresa).
Os casos de assédio aconteceram tanto nas dependências da Rede Globo, quanto em comemorações organizadas pelo próprio Melhem, com a participação de colegas de trabalho do diretor. Ao longo da reportagem, são relatadas, inclusive, possíveis falhas em torno do compliance da Rede Globo para aplicação de normas de conduta que orientam a empresa e outros pontos complexos – envolvendo, por exemplo, a necessidade de sigilo dos colaboradores durante a investigação de casos denunciados ao programa de compliance.
No dia 09 de dezembro – após, vale reforçar, uma série de cobranças de atores e colaboradores da própria Rede Globo – a emissora se pronunciou sobre o caso em seu jornal de maior audiência, JN, afirmando que, embora não possa dar detalhes sobre a investigação, por ter assumido um compromisso de sigilo, “não tolera comportamentos abusivos” e “investiga criteriosamente todas as denúncias de assédio”.
O caso, que segue em investigação, infelizmente não é único, e deve ser encarado como um alerta para as organizações: afinal de contas, que práticas adotar para coibir casos de violência e assédio sexual nos espaços de trabalho? E quais possíveis sanções podem ser aplicadas para empresas que não implementam políticas rígidas para proteger a integridade de seus colaboradores?
O que diz a lei sobre o assédio sexual no ambiente de trabalho?
Segundo o Código Penal, em seu artigo 216-A, o assédio sexual é caracterizado pelo ato “constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Dentro do próprio conceito, como é possível perceber, há uma clara referência e proteção relacionada aos contextos em que haja relação de hierarquia e ascendência, incluindo – como bem observa cartilha sobre o tema do Senado Federal – relações de cunho laboral. Outro ponto evidente, mas fundamental, é um ponto-chave para a caracterização do assédio é o não-consentimento da pessoa assediada.
Dito isso, além da punição prevista em código penal – que pode acarretar até dois anos de prisão para o assediador –, na legislação trabalhista, conforme previsto na CLT, o assédio sexual enseja demissão por justa causa, além de abertura de processo administrativo por parte da empresa.
A Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho
Em uma análise sobre o combate ao assédio sexual no trabalho, é importante comentar ainda a Convenção 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), aprovada em 2019 – ano em que a Organização completou 100 anos de existência. De caráter supranacional, as normas da OIT têm objetivo principal de discutir temas amplos, trazendo equilíbrio para o direito do trabalho a nível internacional.
Dentro deste contexto, a Convenção 190 reforça uma série de pontos importantes, incluindo a vulnerabilidade de grupos sociais, a violência de gênero, trazendo algumas inovações importantes, como uma ampliação e intersecção dos conceitos de violência e assédio, além de indicar que eles podem ser configurados como uma única ocorrência, definindo-se como práticas que resultem em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos para as vítimas. Neste sentido, a OIT reforça que os estados-membros da Organização devem primar pelo estabelecimento de políticas eficientes contra tais atos.
A importância do Compliance e da assistência às vítimas
No âmbito das estratégias que podem ser adotadas pelas empresas para proteger a integridade de seus colaboradores contra atos de abuso sexual, um primeiro passo significativo é a adoção de políticas claras de compliance – aplicadas e difundidas para todos os níveis hierárquicos da organização sem qualquer distinção.
Este é um ponto essencial quando levamos em conta que, conforme jurisprudência do STJ (Supremo Tribunal de Justiça), toda empresa responde solidariamente pelos atos e danos realizados pelo seu empregado e, em caso de não agir para promover um ambiente que haja tranquilidade e segurança para que os colaboradores desempenhem suas atividades “eliminando qualquer possibilidade de importunações e agressões de qualquer espécie, inclusive, e principalmente, as resultantes da libido. [...] torna-se também responsável pelo dano moral e deve pagar a indenização adequada.” (TRT 12ª Região, 2ªT. RO 2.125/2000, Rel. José Luiz Moreira Cacciari, 26/03/2001).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, é de suma importância que as empresas prestem todo o tipo de assistência as vítimas em caso de qualquer manifestação de assédio, com o intuito de preservar a saúde física e psicológica de seus colaboradores.
Sobre tais pontos há vários exemplos de casos em que empresas foram obrigadas a pagar indenização para empregados que não tiveram o devido apoio em casos de abuso sexual. Em caso recente julgado pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, uma transportadora foi condenada a indenizar em R$ 10 mil uma colaboradora que sofreu abuso de superior hierárquico, quando foi constatado que a empresa não só não adotou medidas suficientes para proteger a empregada, como ainda ameaçou a empregada de demiti-la por justa causa, por ter se ausentado (com devido atestado) do trabalho para tratamento psicológico.
Com tudo isso, é indispensável que as empresas façam a sua parte para coibir práticas de assédio sexual. Para além das questões de ordem criminal e trabalhista aqui expostas, estamos diante de um atentado grave contra a dignidade humana que, como bem orientado pela OIT, fere qualquer noção de trabalho decente.
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